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Bolo de chocolate

Do livro 1964: 60 anos do Golpe

Os colonos invadem, e atrás deles os soldados vão corrigindo a fronteira.

Desde 1948, os palestinos vivem condenados a humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade. Tudo. Nem sequer têm o direito de eleger seus governantes. Quando votam em quem não deveriam votar são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se em uma ratoeira sem saída, desde que Hamas ganhou limpamente as eleições de 2006. Algo parecido havia ocorrido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta e desde então viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem.

São filhos da impotência. São pífios, os foguetes caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com torpe pontaria sobre as terras que tinham sido palestinas e que a ocupação israelita usurpou. E o desespero, ao borde da loucura suicida, é a mão das bravatas que negam o direito à existência de Israel. Gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está negando, desde há muitos anos, o direito a existência da Palestina. Já a pouca Palestina que sobra. Passo a passo, Israel a está apagando do mapa.

Os colonos invadem, e atrás deles os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam o despojo, em legítima defesa. Não há guerra agressiva que não diga ser defensiva. Hitler invadiu a Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma de suas guerras defensivas, Israel tem devorado outro pedaço da Palestina, e os banquetes prosseguem. A comilança se justifica pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição sofridos pelos judeus, e pelo pânico gerado pelos palestinos diante do cerco.

Dona Martina tem o jornal nas mãos tremulas pela idade. Pelas tensões que a vida lhes ofereceu. Toma seu diário e continua seus escritos.

Che Guevara olhou para cima enquanto um oficial boliviano, agachado a pouco mais de um metro, fez aquela que seria sua última foto vivo. Estava sentado no chão de terra, as costas apoiadas na parede de barro da pequena escola La Higuera, onde era mantido preso desde o dia anterior. O Oficial saiu e um sargento chamado Mário Terán Salazar entrou. Tinha na mão um fusil de repetição M-2. Che se pôs de pé. Os dos se olharam e o boliviano hesitou em disparar enquanto ouvia, vindo da sala ao lado, os tiros que terminaram com a carreira  de Simón Cuba. Terán engatilhou então a arma e disparou uma rajada de oito tiros. Pelo menos três cruzaram os pulmões de Guevara. O seu corpo bateu na parede e desabou no chão. Era o fim de uma história, ou começo dela. Os soldados tiram fotos do corpo inerte. Queriam lembranças. Enquanto isso Felix Rodriguez, um cubano traidor, contratado pela CIA meses antes, transmitia mensagem em código  pelo rádio e fotografava também. Anotou o horário e local da morte; 1h 20min da tarde, La Higuera, Bolívia.

Os soldados receberam a ordem de colocar o cadáver sobre uma maca e amarrá-lo ao esqui do helicóptero para leva-lo a Vallegrande, próximo a Santa Cruz de la Sierra. Seu corpo fora transportado exposto ao vento o que lhe deixou de olhos abertos quando o pouso aconteceu vinte minutos depois. Levado ao  hospital Señor de Malta,  o corpo, para que fosse tratado e durasse um pouco mais já que aquele era um cadáver espacial. Depois de lavado o corpo de Tche teve as bochechas barbeadas o cabelo penteado para traz. O cadáver de Tche permaneceu a  noite toda na lavanderia do hospital. Colocaram novamente a rupa imunda, suja de lama e sangue, e o aprontaram para o grande espetáculo que seria a sua apresentação aos jornalistas.

A versão oficial seria a de que: fora morto num confronto armado, porém com o testemunho de dezenas de camponeses de La Higuera que viram Guevara caminhando por alguns quilômetros até a pequena vila , o governo decidiu anunciar que o argentino morreu devido a ferimentos em combate. A versão circulou por algumas horas até que deram-se conta de que ninguém marcha por dois quilômetros com oito tiros no peito. Então o presidente da Bolívia general René Barrientos,  confiante na popularidade da execução, assumiu que a ordem fora sua de executar Guevara.

Começou a discussão, a portas fechadas, sobre as consequências de um funeral e da peregrinação que seria de comunistas ao seu túmulo. Enquanto deliberavam,  os militares informaram Buenos Aires e Brasilia sobre todo o ocorrido. Os dois governos ofereceram a Barrientos toda ajuda de que precisasse. No palácio da Alvorada o alívio foi evidente. Semanas antes os militares brasileiros tinham sido informados de que uma das  possíveis missões na Bolívia do intelectual francês Régis Debray, naquele momento já preso e julgado pela justiça militar, era servir de elo entre Havana, Che Guevara e Carlos Marighella.

Dona Martina chora de novo.

― A Palestina está vivendo o que já vivemos na América. 
― O que você disse vó?
― Nada, minha querida. Estou falando com os meus botões.
Seca as lágrimas com a ponta dos dedos. Uma raio de sol  brilhante entra pela janela e ilumina seu rosto molhado, que ela tenta esconder da garota. Valentina lhe mostra os recortes da revista e, com sua pequena mãozinha,  ajuda a secar  a sua face. 
― Vó, vamos guardar as revistas e comer bolo de chocolate?

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