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Um dor vergonhosa me abate hoje. Há 3 anos publiquei este conto. Nuca pensei que ainda fôssemos lutar por este direito de novo: tirar o nome de ditadores das ruas das nossas cidades, estes monstros  que mataram nossos jovens, que trairam o nosso país, que enlutaram tantas familias, não podem ter alguma homenagem.

Avenida Coronel Carlos Lamarca
por Almeri Espíndola de Souza (do livro: 1964 -50 anos do golpe)


Carlos Lamarca derruba o presidente Castelo Branco. Uma multidão se acotovela pelas ruas de Porto Alegre. Com faixas nas mãos, homens, mulheres, mães com as crianças nos carrinhos.  Jovens, velhos arrastando os seus chinelos. Todos seguiam um carro de som que cantava samba de raiz – o ritmo preferido de Lamarca.
 Ele, um militar de alta patente, um dos melhores atiradores do exército brasileiro, professor de tiro da armada. Descobriu o que Castelo Branco sabia: o movimento, a “revolução” era um golpe cruel no povo brasileiro, engendrado pelos Estados Unidos. Foi em busca de uma justiça em que ele acreditava para, ao final, encontrar a própria morte em setembro de 1971. Na luta armada contra o golpe nojento, onde o exército do Brasil assassinou seus jovens, estudantes, intelectuais, artistas. Mataram Lamarca. Mataram o povo.
                A rua levara o nome do ditador – que mereceu ter morrido na masmorra - mas que, por caminhos tortos, morreu presidente do Brasil. Isto sequer havia passado na Câmara de Vereadores da cidade de Porto Alegre. Em mais um ato ditatorial, um grupo de oficiais bêbados após um jantar, em 1973, decidiu que aquela avenida levaria o nome de Castelo Branco.
Agora, tem o nome de Carlos Lamarca. O Capitão  foi morto sob um pé de Baraúna, enquanto descansava; o mesmo onde o cangaceiro Corisco também fora morto em 1940, no sertão baiano.
― Precisamos trocar os nomes de todas as ruas que ainda lembram estes monstros, gritava a multidão. Mais de cinquenta mil pessoas, cem mil talvez, com roupas coloridas, carregavam flores nas mãos, bandeiras e cantavam palavras de vitória. Uma vitória sonhada há quase cinquenta anos. Agora é Avenida Carlos Lamarca, gritavam os alto falantes nos carros de som, que já eram vários. O povo cantava e batia nos tambores. Ubiratan de Souza não escondia sua alegria, fora companheiro de Lamarca nas rodas de samba, tocados na caixinha de fósforos, nos raros momentos de descontração, no meio do mato, mordidos pelos mosquitos, no interior de São Paulo. Lamarca tinha triunfado.
Um sol delicado de inverno é abanado pelo vento nordeste que sopra em Porto Alegre e traz as folhas secas, restos do outono que se fora. A porta de madeira bate forte, tirando dona Cely do seu sono profundo. Ela pula da cadeira preguiçosa na qual dormia na varanda da casa de paredes altas.            
― Bira, é você?
Olha no seu entorno e percebe que está só. Seu sonho fora tão real, que ela volta devagarinho, se acomoda na cadeira e fecha os olhos. Quer continuar. Mais um pouquinho pelo menos. O nordestão sopra mais forte, revolve os papeis na rua, assusta o cachorro que dormia aos seus pés. As janelas batem, logo começa uma chuva fina. O tempo muda, o céu escurece e um temporal se pronuncia. Dona Cely se recolhe, puxa a cadeira para dentro de casa, fecha as janelas, acolhe o cachorro. Com o rosto na vidraça, olha a rua que vai ficando mais e mais molhada. Um sorriso lhe arregaça a esperança: Avenida Coronel Carlos Lamarca.

Encharcado pelos pingos grandes de chuva, ela reconhece Bira correndo e abanando as mãos: Conseguimos, conseguimos! Avenida Castelo Branco agora se chamará Avenida da Legalidade e da Democracia.

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