João e o ovo
João apanhou o ovo com a mão esquerda e, como não decidira o que faria com ele - nem mesmo pensara sobre as escolhas - colocou-o no bolso do casaco grosso, forrado de pelúcia.
O vento nordeste, responsável pela sandice dos tantos loucos que vivem na cidade, chegara antes e soprava furioso, solapando o minuano dono da casa. As folhas amareladas dos plátanos esmoreceram, pois o outono se fora. O jardim estava cheio delas que, apodrecidas, cobriam a grama e as calçadas. A ventania assobiava na parede da montanha, embalado pela imensidão oceânica que fica logo ali.
Mas a natureza teimosa continua a gerar vida e a prosseguir seus ciclos. A galinha cantarola anunciando que mais um de seus ovos está disponível para alimentar o faminto ou para a perpetuação da espécie. A escolha é do homem que, por necessidade ou preferência, quebra-o para o pudim ou empurra-o para baixo da galinha choca e espera a natureza fazer o resto.
Acabara o almoço. As mulheres comiam bergamotas em baixo do pé, quando convidaram o compadre a lavar a louça do almoço. Estonteado pelo vento forte que lhe alvoroçava os miolos, despediu-se do velho que lhe contara, ao telefone, sobre a morte do cachorro vira-latas, atropelado pelo automóvel do jovem desatento. Colocou o aparelho no bolso e dirigiu-se à cozinha para cumprir o compromisso assumido. Terminada a tarefa, com o olhar de menino que poderia tomar o sorvete, dirigiu-se ao computador para responder seus e-mails.
Sentiu frio. A barriga e as mangas do casaco molhadas careciam de calor para secarem. Aproximou-se da mesa, junto à janela lambida por uma língua de sol que aquecia toda a sala e a tornava muito clara. Arrastou a cadeira pesada, puxou o ratinho banco que lhe permitiria o acesso ao mundo. Com um sorriso maroto de quem já pode brincar porque a autorização lhe fora dada, clicou no programa que deveria ser aberto, quando lembrou que deveria confirmar a hora da aula de dança.
Afastando-se da mesa, foi até a cozinha, examinou a bancada de mármore, olhou sobre a mesa retangular de vidro transparente e não viu seu aparelho de telefone celular. Remexendo na memória, parou em frente à porta que dá para o jardim onde as folhas da acerola lhe abanavam faceiras, parecendo estarem se divertindo com a tragédia que se anunciava. A gata Mel surgiu do nada e roçou-lhe as pernas, num pedido de carícia ou alimento. Miou uma vez, duas e, como ele não a ouvia, subiu em suas pernas agarrando-se à sua calça grossa. Fora empurrada num safanão e caíra, de pé, na calçada da garagem, fugindo em seguida.
De volta à sala do computador, depois de haver procurado na casa inteira, lembrou de onde guardara o celular: no mesmo bolso em que colocou o ovo.
Havia estudado bastante. Fizera muitos cursos. Mas os tantos anos de escola não lhe ensinaram que casca de ovo quebrada, misturada com gema e clara, tudo socado dentro do bolso, penetrando no interior daquele aparelho telefônico apagá-lo-ia para sempre.
João apanhou o ovo com a mão esquerda e, como não decidira o que faria com ele - nem mesmo pensara sobre as escolhas - colocou-o no bolso do casaco grosso, forrado de pelúcia.
O vento nordeste, responsável pela sandice dos tantos loucos que vivem na cidade, chegara antes e soprava furioso, solapando o minuano dono da casa. As folhas amareladas dos plátanos esmoreceram, pois o outono se fora. O jardim estava cheio delas que, apodrecidas, cobriam a grama e as calçadas. A ventania assobiava na parede da montanha, embalado pela imensidão oceânica que fica logo ali.
Mas a natureza teimosa continua a gerar vida e a prosseguir seus ciclos. A galinha cantarola anunciando que mais um de seus ovos está disponível para alimentar o faminto ou para a perpetuação da espécie. A escolha é do homem que, por necessidade ou preferência, quebra-o para o pudim ou empurra-o para baixo da galinha choca e espera a natureza fazer o resto.
Acabara o almoço. As mulheres comiam bergamotas em baixo do pé, quando convidaram o compadre a lavar a louça do almoço. Estonteado pelo vento forte que lhe alvoroçava os miolos, despediu-se do velho que lhe contara, ao telefone, sobre a morte do cachorro vira-latas, atropelado pelo automóvel do jovem desatento. Colocou o aparelho no bolso e dirigiu-se à cozinha para cumprir o compromisso assumido. Terminada a tarefa, com o olhar de menino que poderia tomar o sorvete, dirigiu-se ao computador para responder seus e-mails.
Sentiu frio. A barriga e as mangas do casaco molhadas careciam de calor para secarem. Aproximou-se da mesa, junto à janela lambida por uma língua de sol que aquecia toda a sala e a tornava muito clara. Arrastou a cadeira pesada, puxou o ratinho banco que lhe permitiria o acesso ao mundo. Com um sorriso maroto de quem já pode brincar porque a autorização lhe fora dada, clicou no programa que deveria ser aberto, quando lembrou que deveria confirmar a hora da aula de dança.
Afastando-se da mesa, foi até a cozinha, examinou a bancada de mármore, olhou sobre a mesa retangular de vidro transparente e não viu seu aparelho de telefone celular. Remexendo na memória, parou em frente à porta que dá para o jardim onde as folhas da acerola lhe abanavam faceiras, parecendo estarem se divertindo com a tragédia que se anunciava. A gata Mel surgiu do nada e roçou-lhe as pernas, num pedido de carícia ou alimento. Miou uma vez, duas e, como ele não a ouvia, subiu em suas pernas agarrando-se à sua calça grossa. Fora empurrada num safanão e caíra, de pé, na calçada da garagem, fugindo em seguida.
De volta à sala do computador, depois de haver procurado na casa inteira, lembrou de onde guardara o celular: no mesmo bolso em que colocou o ovo.
Havia estudado bastante. Fizera muitos cursos. Mas os tantos anos de escola não lhe ensinaram que casca de ovo quebrada, misturada com gema e clara, tudo socado dentro do bolso, penetrando no interior daquele aparelho telefônico apagá-lo-ia para sempre.
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